terça-feira, 28 de maio de 2013

Eu, a ditadura militar e a epidemia de meningite - II

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Todos sabem o momento em que alguma coisa não está certa. Sentimos que o corpo está diferente, que uma dor ou vômito está vindo. Sentimos que algo muito errado está acontecendo e pedimos ajuda... Eu tinha doze anos e meio, passei a manhã do domingo com meu primo e um vizinho pescando no pontilhão da lagoa. Eu tinha ganhado uma bicicleta Philips, tamanho médio, poucos meses antes. Depois do almoço, embora meu primo estivesse animado com a pescaria (eu havia pescado mais de cinco peixes) e falasse em voltar para o pontilhão, senti que havia alguma coisa errada comigo. E disse ao meu primo e à minha tia que ia embora para casa. Era um fato raro eu voltar para casa antes de entardecer. Mas, não havia tempo para explicações. Eu já estava sentindo um grande mal estar. Os sintomas, dor de cabeça, febre alta, rigidez da nuca, desânimo, moleza, vômitos em jatos, surgem repentinamente. A meningite virótica é mais leve, recupera-se em até dez dias e a mortalidade é praticamente zero. Já a meningite bacteriana, por pneumococo tem alta letalidade e a por meningococo mata vinte em cada cem doentes. Foi uma epidemia por meningite meningocócica que devastou o Brasil.
A imagem que ficou daquele dia terrível não é de meu primo, meu vizinho, minhas irmãs menores, todos próximos de mim, todos com grandes possibilidades de contágio. A imagem que ficou era de minha mãe, desesperada, enquanto eu, deitado, gritava de dor de cabeça e vomitava em jatos. Como não sabiam o que eu tinha, diversas tentativas foram feitas para amenizar minha dor de cabeça e parar o vômito. Todas sem sucesso. Tudo que eu engolia voltava em jatos. Vizinhos chegaram, opinaram, meu tio disse que era melhor ir logo para o hospital. Fui no carro de um vizinho, já completamente debilitado, carregado pelo meu tio. Fui para o Hospital Santa Marta.
Embora eu tenha sido internado no mesmo dia, nenhuma medida de precaução foi tomada em relação às pessoas que tiveram contato comigo. Como eu disse, aos militares não interessava alardear a população sobre a epidemia. As pessoas não sabiam as medidas de segurança a tomar quando ocorria um caso de meningite com pessoas próximas. Somente quando a doença começou a atingir também a classe alta foi que os militares resolveram combater a epidemia.
No hospital a dor de cabeça cedeu, mas não o vômito e claro, nem a febre, altíssima, que chega até os 40⁰. E ali, conversando com minha madrinha, perguntei por minha mãe. Ela respondeu que minha mãe estava muito nervosa e não estava conseguindo ficar ali. E foram as últimas palavras que ouvi na vida, pois o ápice dos sintomas me atingiu, meus lábios já estavam feridos devido à febre altíssima, meu corpo prostrado, sem forças.
Entrei em coma.


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